A DESCONHECIDA

 


"Numa tarde tão linda de sol
Ela me apareceu
Com um sorriso tão triste e olhar tão profundo
Já sofreu..."

Era um fim de tarde na velha cidade do interior, caminhava para um compromisso, minha mente não estava no caminhar e sim nas resoluções que teria que dá para tantos questionamentos que minha vida tediosa provocava, eu era o centro dos meus pensamentos embora eu não me encontrasse neles. Eu queria algo que justificasse minha juventude, mas só encontrava incertezas e nada mais. 

    "...Suas mãos tão pequenas e frias, sua voz tropeçava também, me falava da infância de lágrimas, nunca teve ninguém!..."

Quando eu estava passando pela Praça de minha cidade, avisto a frente do meu caminho uma menina que chorava e expunha um semblante triste e desolado, naquele momento eu me esqueci de mim e fui em sua direção – olá, você tá bem? – não houve resposta ela só me levantou o rosto e com isso me deu a concessão de sentar ao seu lado, ao mesmo tempo em que eu queria lhe consolar ficava ansioso em saber o que havia acontecido. Ela me olhou novamente e começou a me contar sua história – faz alguns anos que não volto pra casa, eu tinha duas irmãs e um irmão, morávamos num casa pequena em um sitio, eu sou a mais velha dos quatro filhos, desde pequena eu sentia que aquele espaço não me cabia; eu tinha 5 anos quando lembro a primeira vez que meu pai entrou no meu quarto, meus irmãos e minha mãe dormia, ele segurou na minha boca e me pediu para não fazer barulho, eu não entendi o porque daquilo, ao mesmo instante ele foi passando a mão no meu corpo, eu não entendia nada e achava que tudo aquilo era uma brincadeira, ele foi embora, e voltou durante os sete anos seguintes, eu aos poucos fui entendendo o que ali acontecia, eu estava sendo abusada pelo meu pai, o que eu achava ser uma brincadeira era de fato um ato nojento e grotesco. 


"...Nunca teve amor não sentiu o calor de alguém, nem sequer ouviu a palavra carinho seu ninho, não existiu..."

Eu nunca tive carinho algum da parte do meu pai ou da minha mãe, a vida era sempre muito dura e como filha mais velha tive que incorporar a minha infância o peso do trabalho domestico e da roça, isso também era o motivo de não contar o que me acontecia, de não revelar que eu era usada pra um prazer sórdido de um psicopata que eu chamava de pai. Aos 13 anos, decidi que deveria sair daquela casa, planejei fuji ainda de madrugada, deixei uma carta e nessa carta um adeus e na mesma o pedido de que não me procurassem, caminhei pela longa estrada de terra batida até chegar a uma estrada movimentada onde encontrei uma carona para qualquer lugar. Aos poucos a fome e falta de abrigo me castigaram, e eu não tinha nenhuma opção para  subsistir, ao passar um homem eu lhe sorri e ganhei meu primeiro pagamento as custas da única coisa que me sobrava: o meu corpo! Mais uma vez eu me sentia usada e abusada, mas desta vez com a minha permissão em troca da minha sobrevivência, eu queria novamente fugir daquela situação, mas pra onde? Pra quem? Já faz alguns anos e eu nunca consegui me encontrar, me reconstruir, hoje eu entendo tudo, sei o que todos os homens que passaram pela minha vida quiseram e que o que eles não enxergaram atrás da menina, ou da pobreza, ou da falta de guarida. 

"...Sinceramente eu chorei de tristeza ao ouvir, tanta coisa que a vida oferece que a gente padece sem querer..."




Terminou ela aquele relato e eu não tinha forças pra falar, ela se levantou e me disse adeus, e eu perguntei – Para onde você vai? Qual o seu nome? – ela me olhou, fez um ar de sorriso e nada falou, eu fiquei ainda ali sentado pensando em tudo que ouvi, a minha vida estava longe de ser como a dela, o sofrimento e o silencio forçado que sofreu, os abusos e a falta de perspectiva, pensei em tudo que a vida me ofereceu em comparação ao nada oferecido a ela, tantas oportunidades que eu tive e que ela não teve. Eu sinto que algo dela ficou em mim, eu nunca irei esquecer a maneira de como ela me tocou com sua história. 


     


"...Depois de tudo que ouvi não consigo esquecer, ela me disse adeus e se foi, nem seu nome eu sei dizer..."

    




             
    No dia seguinte eu fiquei sabendo que uma jovem havia se lançado de uma ponte que havia na minha cidade, se laçou para um ultimo voo, talvez para a liberdade que nunca teve, eu não sei dizer se agora ela é feliz, ou se encontrou a paz, nem seu nome eu sei, nem de onde veio, nem pra onde ela foi, talvez para um lugar só dela esó!


"...De onde ela veio ou pra onde ela vai?
De onde ela veio ou pra onde ela vai?
Não sei dizer!"

Conto inspirado na musica “A Desconhecida” do compositor Fernando Mendes, escrito para chamar a atenção para dois temas importantes para serem debatidos que deixo para os leitores. 



Diego Feghalli


Direitos Autorais Reservados - Lei 9.610/98

Comentários

  1. A vida é a arte de encontrar e viver o presente que ela mesma é! Devemos procurar aproveitá-la na sua efemeridade.

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